Relatos nas redes sociais têm sugerido que as mulheres estão abandonando a pílula anticoncepcional. Em um vídeo do Tiktok, com mais de 1 milhão de visualizações, uma mulher aparece com um semblante abatido cortando uma cartela de anticoncepcionais.

Esse é um dos milhares que proliferaram na mídia nos últimos anos com praticamente a mesma mensagem: a pílula causa efeitos colaterais terríveis, às vezes irreversíveis, e as mulheres deveriam se livrar dela.

“Sabemos há muito tempo que as pessoas realmente dependem de seus círculos sociais para ajudá-las na tomada de decisões médicas relacionadas à contracepção”, afirma Deborah Bartz, obstetra e ginecologista do Hospital da Mulher de Brigham, em Boston.

 

Contra um pano de fundo de acesso cada vez mais restritivo ao aborto, a ideia de que as mulheres possam estar desistindo de um método contraceptivo confiável devido a esses vídeos na redes sociais tem preocupado pesquisadores e médicos.

PRESCRIÇÕES DA PÍLULA AUMENTAM EM 2023

De acordo com dados iniciais, as prescrições para a pílula anticoncepcional não estão realmente diminuindo. Uma análise da Trilliant Health, uma empresa de análise que fornece dados para empresas de saúde, descobriu que o uso tem aumentado nos Estados Unidos; 10% das mulheres tinham prescrições em 2023, contra 7,1% em 2018.

A pesquisa examinou as prescrições da pílula que foram escritas e retiradas. Mesmo entre aquelas com idades entre 15 e 34 anos, que seriam as mais propensas a ver postagens negativas nas redes sociais, a Trilliant descobriu que as prescrições aumentaram. No entanto, essa desconfiança tem crescido no ambiente virtual.

Em dois artigos separados, publicados em 2021 e 2024, Bartz analisou o tom de postagens relacionadas ao controle de natalidade no X (ex-Twitter).

No primeiro estudo, os pesquisadores descobriram que quase um terço das postagens sobre a pílula era negativa, no período de 2006 a 2019.

No segundo estudo, a equipe descobriu que um dos principais pontos centrais das postagens sobre pílula eram seus efeitos colaterais. Outra análise de 2023 encontrou que 74% dos vídeos analisados do YouTube postados entre 2019 e 2021 discutiam interromper métodos hormonais de controle de natalidade por causa de efeitos colaterais.

Mas os efeitos colaterais da pílula não anulam sua utilidade para muitas mulheres. Muitas vezes, ela é vista como um ponto de entrada fácil para pessoas que estão considerando pela primeira vez o controle de natalidade porque pode ser iniciada e interrompida a qualquer momento, ao contrário de exigir um procedimento doloroso, diz Cherise Felix, obstetra e ginecologista da Planned Parenthood (parentalidade planejada, em inglês), na Flórida.

Ela também é mais de 90% eficaz na prevenção de gravidez e pode ser usada para ajudar a tratar uma variedade de condições de saúde, como endometriose e síndrome dos ovários policísticos.

A análise da Trilliant também destaca que talvez as mulheres não sejam tão facilmente influenciadas pelo que veem nas redes, diz Felix, que revisou os resultados mas não esteve envolvida no levantamento. Muitas vezes, elas acabam discutindo isso com seus médicos para tomar decisões mais informadas.

“Nunca tive uma paciente que iniciou uma conversa com: ‘parei de usar a pílula porque vi isso no TikTok'”, conta. “Mas posso afirmar que, ao longo da minha carreira, estou tendo discussões de melhor qualidade de vida com minhas pacientes.”

Vários especialistas também apontaram para leis de aborto cada vez mais restritivas como motivo para a durabilidade da pílula. A análise da Trilliant descobriu que nove estados com algumas das leis de aborto mais restritivas viram um crescimento maior do que a média nas prescrições.

Por exemplo, no Alabama, onde o aborto é completamente proibido com poucas exceções, e na Carolina do Sul, que restringe os abortos após seis semanas, as prescrições aumentaram quase 5 pontos percentuais entre 2018 e 2023, em comparação com um aumento nacional de três pontos percentuais no mesmo período.

As mulheres começaram a estocar a pílula anticoncepcional após a decisão da Suprema Corte em junho de 2022 que acabou com o direito constitucional ao aborto, afirma Julia Strasser, diretora do Instituto Jacobs de Saúde da Mulher da Universidade George Washington e co-autora de um estudo recente sobre o uso de contraceptivos.

Em 2019, cerca de 32% das prescrições iniciais eram para mais de um mês; até 2022, mais da metade das prescrições iniciais eram para um fornecimento maior de “dois meses, três meses, seis meses e às vezes até 12”, diz Strasser.

Então, se mais mulheres estão confiando na pílula, por que as mídias sociais parecem contar uma história diferente?

Uma explicação, disse Bartz, é o que é conhecido como viés de negatividade. Os consumidores estão “muito mais inclinados a reclamar e dizer, ‘Meu Deus, deixe-me contar sobre todo esse sangramento que estou tendo com minha pílula'”, ou, ‘Deixe-me contar sobre meu ganho de peso'”, disse ela, e muito menos propensos a postar avaliações positivas.

Ela viu algo muito diferente em sua prática clínica: pacientes valorizando mais do que nunca suas opções de controle de natalidade. “Pós-Dobbs”, disse Bartz, “houve um reconhecimento elevado da necessidade de ser muito proativo na prevenção da gravidez.”

 

Fonte: Folha Folha de São Paulo