Um estudo de Avaliação de Risco Social realizado nas escolas da rede estadual de ensino pelo Governo do Piauí, através da Secretaria de Estado da Educação (Seduc-PI) em parceria com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-PI), revelou dados alarmantes sobre a realidade de quase 83 mil crianças e adolescentes no estado.

Com o objetivo de identificar estudantes que estejam em situações de risco e traçar estratégias para apoiá-los, a avaliação foi aplicada em mais de 80% das escolas piauienses, em 210 municípios. Um dos dados que chamou a atenção foi a quantidade de órfãos de feminicídios mapeados pelo estudo: 304 crianças e adolescentes perderam suas mães em virtude do feminicídio.

“Quando falamos de órfãos do feminicídio, estamos falando de mães que foram mortas pela razão de serem mulheres. Como essa criança fica? O estudo busca detectar estudantes que podem ser revitimizados e prevenir esses riscos”, explica a delegada Eugênia Vila, da Polícia Civil do Piauí.

No Brasil, não existe um estudo oficial que mapeie essas crianças e, por isso, a avaliação aplicada no estado é considerada inovadora. Em âmbito nacional, a Lei 14.717, sancionada pelo presidente Lula em 2023, concede uma pensão especial no valor de um salário mínimo aos órfãos de feminicídio que sejam de baixa renda e menores de 18 anos.

Segundo a delegada Eugênia, o propósito do estudo é justamente revelar a existência dessas vítimas para que assim sejam criadas políticas assistenciais ou para que essas pessoas sejam incluídas nas políticas públicas já existentes.

“Com essa avaliação em mãos, outras secretarias, como a Sasc, podem verificar se essas crianças e adolescentes estão inseridas em programas federais de assistência e já recebem essa remuneração. O que fizemos foi revelar que esses casos existem e, a partir daí, nasceram inúmeras políticas assistenciais”, complementa.

Do total de órfãos de feminicídio, 10 estão em situação de extremo risco

A Avaliação de Risco aplicada nas escolas do Piauí buscou mapear diversos tipos de situações de risco nas quais as crianças podem estar expostas, desde a ausência de infraestrutura, mobilidade urbana e saneamento básico, a situações de violência intrafamiliar, falta de segurança pública, questões que envolvem saúde mental e evasão escolar.

Conforme os dados do estudo, são 211 crianças e adolescentes em situação de risco e que precisam de um suporte mais imediato. Dentre o total de órfãos de feminicídio no estado (304), 10 estão em extremo risco, ou seja, precisam de apoio o mais rápido possível.

Identificamos um grupo de pessoas que estão em situação de extremo risco e isso precisa ser tratado imediatamente. E o que foi visto? Situações de violência sexual, intrafamiliar, evasão e abandono escolar. Vamos buscar tratar esses riscos que não podem ser adiados. A maior parte dessas crianças são meninas, em situações de risco que se atravessam

Eugênia Vila Delegada da Polícia Civil

Crianças que convivem com padastro têm três vezes mais chances de serem abusadas

Outro fato ressaltado pela delegada é o risco de abuso sexual dentro do ambiente familiar. Crianças, especialmente meninas, que convivem com padrastos têm até três vezes mais chances de serem vítimas de estupro. Além disso, essas mesmas crianças também têm uma probabilidade maior de perderem suas mães, assassinadas pelo padrasto.

“Um estudo conduzido pela Universidade Federal de Santa Catarina demonstrou que meninas que moram com padrastos têm um risco maior de serem abusadas sexualmente ou de suas mães serem vítimas de feminicídio. Essas crianças, que não são filhas biológicas dos padrastos, estão em situações onde a violência intrafamiliar e a exploração sexual são prevalentes. Há a tendência de se acelerar esse feminicídio e a criança se tornar órfã”, afirma Eugênia Vila.

A delegada acrescenta que as mães precisam estar atentas com quem se relacionam. “É algo duro de falar. Mas quando mulheres que são mães e chefes de suas famílias, e têm uma filha mulher, se relacionam com alguém, elas assumem um alto risco de ter sua filha estuprada pelo companheiro. Nosso objetivo é estudar a composição familiar das crianças e adolescentes mapeadas”, complementa.

De acordo com a delegada Eugênia Vila, da Polícia Civil do Piauí, a violência intrafamiliar, que inclui desde agressões físicas e psicológicas até abuso sexual e negligência, é um dos tipos de risco com maior subnotificação de casos.

“A violência intrafamiliar foi um dos riscos mais mapeados dentro da avaliação e também corresponde a uma das maiores subnotificações. Mais de 90% dos casos não chegam até a polícia. Essa subnotificação tem vários fatores e a tarefa da polícia é prevenir a revitimização dessas crianças”, disse.

Estudo mapeou mais de 50% dos estudantes piauienses

A Avaliação de Risco, feita em parceria com o Departamento de Matemática da UFPI, atingiu 559 escolas, abrangendo 50,4% do alunado piauiense, com foco em estudantes de 14 a 16 anos e de 17 a 19 anos.

A iniciativa partiu de uma demanda da Secretaria de Segurança para compreender as causas da violência escolar. Isso porque, em 2023, o Brasil vivenciou um aumento significativo de violência nas escolas, e o Piauí não foi exceção. As escolas estavam preocupadas, mas faltavam evidências e dados concretos sobre a violência escolar.

“A secretaria nos deu um desafio: saber o nível de risco individual dos estudantes para que possamos identificar aqueles em maior risco e desenvolver propostas de políticas sociais para eles,” explicou a delegada Eugênia Vila.

O projeto começou com um teste piloto em seis escolas de Teresina e contemplou 511 estudantes. Após a aprovação, a aplicação foi estendida para todo o estado. Foram formados mais de 3 mil avaliadores de risco para aplicação do formulário. O estudo é considerado um censo de risco social dos estudantes e permite identificar individualmente os riscos enfrentados por cada um. Dessa forma, ações mais direcionadas e eficazes podem ser desenvolvidas.

“Esse é um projeto pioneiro, que por meio da tecnologia e do cruzamento de dados, conseguimos fazer um diagnóstico e identificar os estudantes que estão passando por dificuldades em casa, na escola ou em seu ambiente social. A partir da identificação desses alunos, serão elaboradas ações que irão fortalecer a assistência multiprofissional e psicossocial e promoção da cultura de paz, com atuação cirúrgica e conjunta das duas Secretarias”, explicou o Secretário de Educação, Washington Bandeira.

 

Fonte: Portal O Dia.